Convencionalmente, um museu de ciências naturais é uma instituição, um espaço criado artificialmente pelo homem, destinado a armazenar amostras (evidências) do mundo natural que o rodeia. Assim, tal como referenciado na “wunderkammer”* neste gabinete de curiosidades, o inabarcável, incompreensível e caótico universo virgem consegue ser “catalogado”, organizado em prateleiras sob diversas categorias, como família, espécie, gênero, cor, tamanho, forma, peso, etc. Qualquer classificação é válida quando se trata de “simplificar” o universo, domesticá-lo para que, com a ajuda da linguagem, se torne algo explicável, previsível, padronizado. A obra “Landscape Specimens” de Pedro Gramaxo trabalha esse fenômeno, questionando o suporte digital como arquivo de memória e a sua possibilidade de figurar um Museu. Mas, longe de tentar uma redução canónica do mundo natural, para conseguir um vínculo mais amigável com o mesmo, o artista propõe nesta obra escolher alguns contextos urbanos, anónimos e tradicionais, e abrir portais, pequenas janelas, cortes na realidade feitos cirurgicamente, para conseguir ver, mesmo que seja por um instante, e como se fosse um buraco no espaço-tempo, o mundo natural, indomável, inatingível, incalculável. Desta forma, a natureza apresenta-nos tal como é, contrastando furiosamente com a cidade artificial que nos rodeia.
Esta “colagem constructiva”, composta por fragmentos do mundo natural filmados pelo artista em diferentes países, lembra-nos mais uma vez a sensação inexplicável que nos faz conseguir, mesmo através de uma ilusão ou halucinação, unir dois universos que não coabitam, como o céu e a terra, o mundo inteligível e o mundo sensível, o natural e o artificial, o dia e a noite, a vida e a morte. Uma simbiose entre tecnologia e paisagem, natural e artificial onde a obra de arte se assume como um pedaço da cidade, fachada ou muro e transita de material para imaterial dissolvendo continuamente a sua superfície.
Texto: Tadeo Itzcovich
Instalação de arte pública para o Festival "MURO" edição de 2023, contendo o arquivo videográfico digital do artista de vários contextos naturais por onde passou, desde Portugal, Argentina, à Rússia, Islândia e Bósnia-Herzegovina.
Produção: Ephemeral Ethernal